Boa noite, meus caros (três) leitores.
Eu estava realmente com muito pouca vontade de escrever hoje e estava pensando em dar alguma desculpa, não publicar nada e tentar compensar depois. Foi aí que eu me lembrei no nosso “pacto”, ou seja, a minha promessa de publicar pelo menos uma vez por semana e sempre aos sábados. Vocês gostaram desta palavra que eu usei? “Pacto”? Isso me lembrou instantaneamente de um assunto que eu gostaria de partilhar com vocês hoje, o que é ótimo porque eu estava realmente sem idéias para escrever!
Ao longo da minha estada na faculdade de História eu tive tudo que é tipo de professor: professores ótimos, professores medíocres e professores péssimos. E tinham também os professores-celebridade, que eram aqueles historiadores famosos cujas aulas ficavam com fila de espera no primeiro dia das inscrições.
Meu professor de História moderna era uma destas figuras. Um puta dum professor celebridade, para usar do nosso bom português! E não, eu não o estou insultando, pelo contrário! Me lembro perfeitamente da noite em que eu esperei o relógio virar meia noite na intranet da faculdade para eu poder ser o primeiro a me inscrever na disciplina!
Hoje eu pretendo, portanto, transmitir um pouco do que este grande mestre apresentou sobre uma temática deveras importante para a nossa história, inclusive: a formação dos reinos ibéricos. Isto quer dizer da Espanha e de Portugal.
Pretendo me focar mais na Espanha hoje, Portugal merece um tópico especial mais tarde.
Quando falamos em formação da Espanha devemos pensar num longo processo que vai desde a Idade Média (digamos, séculos XII a XIV) até o início do século XVI. E quando falamos “Espanha” estamos generalizando, é claro, pois uma coisa que poucos professores dão importância em suas aulas é dizer que não existia “Espanha” naquela época.
COMO ASSIM?? VC VAII FLAR DE UMA CIOSA Q NAUM EXSITEEE???
Claro que não, né! O que eu quero dizer é que a Espanha não existia da forma como nós imaginamos hoje, ou seja, como um país propriamente dito. Durante a Idade Média tudo aquilo que hoje nós chamamos de Espanha era na verdade vários reinos independentes. Os principais reinos no século XV eram:
Aragão
Castela
Catalunha
Valença
Navarra
Granada
Os cinco primeiros reinos tinham uma coisa em comum: eram reinos extremamente cristãos, ou como diziam na época “mui catholicos”. Por este motivo, obviamente, eles odiavam o último reino, Granada, que era muçulmano.
MUÇULMANOO?? TIPO BIN LADEN?? NA ESPANHA??
Oh, sim, meu caro, na Espanha! E não seja preconceituoso, muçulmano não é sinônimo de Bin Laden e terrorista. ... ... não sempre.
Não se esqueçam que ao longo dos séculos VIII e XII os árabes se expandiram por todo o sul do Mediterrânio, conquistando tudo que viam pela frente (é por isso que os países do norte da África hoje são muçulmanos). Quando os árabes chegaram no estreito de Gibraltar, no Marrocos, eles se perguntaram: “o que fazer agora?” Então alguém respondeu “Vamos construir uma grande ponte, com um pedágio e quatro pistas, transpor o estreito e invadir a península ibérica para converter os infiéis do outro lado também!” e gostaram muito da idéia dele. Porém quando viram que construir uma ponte seria impossível, mesmo com todo o poder de Alá do lado deles, eles acharam que seria melhor ir de barco mesmo. E assim os muçulmanos invadiram a península ibérica e conquistaram tudo!
Tudo?
Bem, quase tudo, pois um grupo de aldeias de irredutíveis ibéricos cristãos permaneceu inconquistado ao norte da península. Nos anos seguintes estes cristãos irredutíveis colocaram na cabeça que deveriam tomar a península ibérica toda de novo e expulsar os árabes dali, esta decisão ficou conhecida como “Reconquista” ou, como gostam os espanhóis “La Reconquista Cristana”.
Durante séculos a política central destes reinozinhos do norte da Ibéria foi reunir exércitos para o rei, convocar os nobres senhores feudais e ir pra guerra para combater os infiéis árabes. A guerra mobilizava as pessoas e servia de desculpa pra tudo!
O trigo subiu: é culpa dos muçulmanos! Nós precisamos de recurso pra guerra!
A seca destruiu nossas colheitas: Deus está puto porque tem muçulmanos nas nossas terras, vamos à guerra!
O rei cobra impostos demais: é pra sustentar os exércitos pra gente ir pra guerra!
E por aí vai.
As pessoas daquela época não eram que nem os americanos de hoje, que fazem protestos contra a guerra do Iraque e tentam peitar o governo. Eles realmente NÃO gostavam de muçulmanos. E a Santa Sé (o que hoje chamaríamos de Vaticano), que era como a ONU da época, ao invés de tentar impedir a guerra colocava lenha na fogueira dizendo que qualquer um que fosse pra Reconquista teria todos os seus pecados perdoados.
Assim qualquer um faz política! Você coloca a culpa de todos os problemas em cima do seu inimigo, o PAPA diz que matar seus inimigos é bom e que você vai ser salvo por isso e ainda por cima você fica incrivelmente rico pilhando as terras conquistadas! Ir para a Reconquista era muito bom! Você partia com quase nada e voltava rico e de alma lavada!
Apesar de ter sido difícil expulsar os muçulmanos, (porque os caras eram muito bons de briga! MESMO), quase setecentos anos depois do primeiro exército muçulmano ter derrotado um exército cristão na península Ibérica, a última cidade árabe lá foi tomada pelos cristãos. Esta cidade era Granada, e ela foi reconquistada em 1492.
Bem fim de problema, não?!
CLARO QUE NÃO! Aí é que começou a merda!
Os cristãos tomaram Granada, a Reconquista acabou! E agora? O que fazemos?
A reconquista era desculpa para tudo, as monarquias se baseavam em fazer aquela guerra, então um belo dia eles resolvem ganhar a guerra e eliminar o motivo de sua existência!
Foi tenso. A Espanha estava dividida em vários reinos diferentes, que não tinham mais nenhum objetivo em comum e não dava mais pra ficar explorando os camponeses porque eles não teriam mais desculpas para dar. Era preciso pensar numa nova forma de administrar aquele lugar.
Claro que enquanto alguns reis pensavam no que fazer, outros caíram na porrada entre si para tentarem se tornar mais poderosos. Acabou que os reinos espanhóis foram conquistando uns aos outros até que, na prática, só restaram dois reis na Espanha: Fernão de Aragão e Isabel de Castela. Por sorte um era homem e o outro era uma mulher, então ao invés de caírem na porrada eles pensaram: por que a gente não casa? Assim a gente cai na porrada só entre a gente e não precisa envolver mais ninguém nisso.
Eu não sei quem fez o pedido pra quem, mas no final o pedido foi aceito e Fernão e Isabel se casaram. Este evento foi conhecido como “União das Coroas Ibéricas”, porque como eu disse eles eram, na prática, os dois últimos reis da Espanha, e, ao se casarem, eles unificavam os seus reinos.
PQ ELE FICA FLANDO O TMEPO TODO “NA PRATICA”?
Ahhh! BOA pergunta! A Espanha não era um reino tão simples. Apesar dos reis terem se casado, os reinos nunca deixaram de existir. Todos aqueles que eu enumerei anteriormente continuaram a existir, tinha Castela, tinha Aragão, Navarra, etc. Os reinos permaneceram, o que aconteceu foi que eles tinham todos os mesmos reis! Não é tão difícil assim de imaginar: o Reino Unido tem só uma rainha, a Elizabeth II, e ela é rainha ao mesmo tempo da Inglaterra, da Escócia, do País de Gales e da Irlanda do Norte. É bem parecido aqui: Isabel era rainha de Castela e Fernão era rei de todos os outros reinos.
AHH ENTAUM O FERNAUM ERA MTO MAIS FODAUM QUE A ISABEL NEH?!
Ahhh... não, não era! Porque apesar de Fernão ter sido rei de uma porrada de reinos e Isabel só de um, o reino da Isabel era muito melhor que os do Fernão: Castela era tipo tão boa quanto todos os outros reinos juntos e tinha a mesma população que a de todos os outros reinos juntos também. Fernão foi é esperto, porque sabia que se resolvesse ir à guerra contra Isabel a coisa ia feder pro lado dele, então, ao se casar ele apenas estava fazendo sua cama. Foi um negócio e tanto!
Esta história de união de coroas e de reis governando vários reinos gerou uma série de discussões nerds, er, perdão, debates historiográficos entre diversos autores de hoje em dia. Um dos debates mais empolgantes (*bocejo*) desenvolveu os conceitos de “Monarquia Compósita” e “Monarquia Corporativa”. O que esta conclusão empolgante quer dizer? O seguinte: um rei espanhol assume o compromisso, um pacto, com o seu povo e com os seus nobres, ou melhor, com o povo e os nobres dos diversos reinos que ele governa. Por este pacto o rei é o supremo mediador dos conflitos, é o cara que resolve todas as diferenças entre os reinos: para impedir que os reinos da Espanha caiam na porrada que nem eles fizeram depois da Reconquista, o rei, na condição de soberano de todos eles ao mesmo tempo, assume o compromisso de ser justo com cada um dos reinos, se isto fosse no Brasil, por exemplo, o rei jamais pensaria em tirar os Royalties do petróleo do Rio de Janeiro, porque isso iria contra seu pacto com os diversos reinos que compõe o seu grande reinado que é Espanha.
Isto é monarquia compósita ou corporativa: compósita porque ela é formada por vários reinos e feudos e corporativa porque ela é embasada por um pacto de conciliação, cuja figura central é o rei. E foi assim que eles resolveram a crise existencial espanhola: sem poder sustentar tudo pela guerra, eles criaram um sistema político complicado de lavagem de roupa suja, onde o rei atuava como uma espécie de terapeuta de casais. No caso os casais brigões eram os nobres dos diferentes reinos.
Tudo isto faz com que o feudalismo seja bastante diferente na Espanha, tão diferente ao ponto de muitos historiadores dizerem que na Espanha sequer existiu feudalismo. No feudalismo tradicional existem muitos feudos que vivem brigando entre si, feudos autônomos, como vários paisezinhos. Na Espanha, um feudo não briga com o outro: eles procuram a autoridade do rei para se resolverem.
Este sistema de governo que lançava grande atenção em cima do rei, acabou dando a ele também poder quase que ilimitado, isto tornou a monarquia espanhola extremamente eficiente, e logo a Espanha se tornou uma superpotência européia e conseguiu condições práticas de se lançar ao mar e conquistar territórios na América. O auge desta eficiência aconteceu logo com o herdeiro de Fernão e Isabel. O belo casal real teve uma filha, chamada Joana. Esta filha, apesar de ser chamada de “a louca” na Espanha, não tinha nada de louca: ela puxou os pais e resolveu arranjar o melhor casamento possível. Ela se casou então com Filipe, Sacro Imperador Romano. O Sacro Império Romano Germânico era uma entidade política da época que representava as terras que hoje correspondem ao países baixos, a Alemanha, Áustria, Bélgica, Norte da Itália e mais dois continentes a sua escolha. Aproveitando a piada, ser Sacro Imperador seria como, se ao distribuíssem as cartas numa partida de WAR, você começasse já de cara com um continente completo!
Joana e Filipe tiveram um filho chamado Carlos que, logicamente, se tornou rei de TODOS os reinos espanhóis E Sacro Imperador Romano ao mesmo tempo: na Espanha ele era chamado de Carlos V, no Império, de Carlos I.
Carlos I conseguiu manter a Espanha em paz, sendo um exemplo perfeito de rei nesta tal de monarquia compósita, mas estava em guerra com praticamente todos os outros reinos: ele estava em guerra com a Inglaterra, com França, com os Árabes, com os Turcos e com qualquer um que fosse alguém na noite. Até contra os Astecas o cara esteve em guerra! Para vocês terem uma idéia, nem o Papa escapou da fúria que era Carlos I, quando o Papa resolveu interferir dizendo que Carlos havia conseguido poder demais, o rapaz mimado e super-poderoso marchou sobre Roma e deu uma coça nele. Ele ficou quietinho depois disso. Carlos I só perdeu em guerra para o outro super-monarca da época: o sultão turco Solimão, o Magnífico, mas isto não o impediu de continuar bullyando os outros reis da Europa. O mais interessante é que o Carlos já fazia essa porra toda aos 19 anos de idade!
Quando Carlos I morreu (sim, ele era mortal), seu filho Filipe II se tornou rei e Imperador. Como dizer isto de forma amena? Bem... Filipe II não era tão foda quanto o pai. Por incrível que pareça ele conseguiu jogar na lata de lixo quase tudo que Carlos havia feito, e isto começou a ficar sério principalmente depois que ele comprou briga com uma tal de Elizabeth, rainha da Inglaterra (a I, não a II, ela não é tão velhinha assim!). FATO: Filipe era Católico e Elizabeth protestante. Bem, os bisavós de Filipe, nossos velhos conhecidos Isabel e Fernão, não só haviam sido responsáveis por unificar as coroas mas também por uma medida muito famosa que nós conhecemos como A INQUISIÇÃO ESPANHOLA. Isto significa que desde o reinado de Isabel e Fernão, uma das principais pautas da agenda do rei espanhol deveria ser garantir que todos nos seus domínios fossem católicos, fiéis, que respeitassem os dogmas e aquela coisa toda. Quem não fosse ia pra fogueira! Se você fosse judeu ou muçulmano você era convidado a se converter ou a se retirar do reino, ou simplesmente morto, o que era mais fácil, dependia do humor do rei.
Claro que o mui catholico Filipe não podia deixar que uma rainha protestante herege governasse um país europeu bem debaixo do seu nariz, então ele resolveu torrar boa parte do dinheiro da Espanha para construir um exército e uma frota, a maior já vista, e conquistar a Inglaterra. Esta frota era tão assustadora e absurdamente grande, que foi conhecida como "A Icrível" ou "Invencível Armada".
Bem, quando a "Invencível Armada" de Filipe II estava prestes a desembarcar na Inglaterra, uma grande tempestade apareceu e destruiu TODOS os navios e junto com eles a fortuna do rei. Dizem que o que restou da armada ficou a dreiva por dias no Mar do Norte e que pedaços dos navios espanhóis foram encontrados ao longo de toda a costa da Escócia e da Irlanda do Norte. Depois disso a Espanha entrou em crise, quebrou e nunca mais se recuperou, não necessariamente nesta ordem. Moral da História: Deus, na época, não era católico.
Bem, esta foi nossa historinha de hoje. E se vocês pararem para refletir como a História ajuda a explicar muita coisa de hoje em dia, eis o motivo porque a Espanha, até hoje, é um país bastante heterogêneo e com uma porrada de dialetos diferentes: a política da Monarquia Compósita, que garantia a união do país e a separação entre os reinos ao mesmo tempo.
CURIOSIDADE FINAL: Fernão de Aragão e Isabel de Castela eram tão temdemsia na época que eles inspiraram as peças de xadrez “rei” e “rainha” e as cartas do baralho “rei” e “rainha”, quer dizer, é por isso que muitas vezes em espanhol e em português, não se chama a “dama” do xadrez e do baralho de “dama”, mas de rainha, como alusão ao mui pop casal real da época em que os jogos de xadrez e carta se popularizaram na Europa.
Então é isso!
Buenas noches!
sábado, 20 de março de 2010
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